terça-feira, 27 de setembro de 2011
Herança Italiana
UM MUNDO DE LEMBRANÇAS – UM SONHO DE CRIANÇA
Sandra Zeni Carli
Tino era um menino
Que da cidade vinha,
Para passar o fim de semana
Na casa da nona Angelina,
Era uma dessas casas
Cercadas de parreira,
Com fogão a lenha
E guardanapo de crochê
Enfeitando a cristaleira.
...
Dias de muita brincadeira,
Noites de muitas histórias
Contadas pela velhinha
Que falavam de outros tempos
Que Tino não conhecia.
...
Numa manhã,
Brincando entre as parreiras,
Uma forte chuva sobre ele caiu.
Abrigou-se em uma velha casa,
Há muito construída.
Tábuas largas, janelas altas,
Nela, entulhos e restos
Cobertos pelo tempo:
Móveis antigos,
Quadros quebrados,
Cama de ferro,
Colchão de palha.
...
De repente
As velhas tábuas rangeram.
Um passo, outro passo,
Si-lên-cio
Tino espiou entre as frestas
E viu bem acomodado,
Em uma cadeira de balanço
Um velho sentado.
...
No mesmo instante,
O velho disse:
_ Venha, Tino, não tema.
O que tenho nas mão
É minha história
Muito diferente da sua.
Venha e sente-se.
Ouça com atenção.
Assim fez o velho:
Abriu o álbum
E o passado revelou...
O NAVIO...
Vim de muito longe,
Além das águas do mar.
Da viagem nada lembro,
Sei de ouvir e contar.
Era bebê de colo
Embrulhado em uma baeta.
A NOVA TERRA...
Nada lembro também
Do triste adeus à Itália,
Da chegada a essa terra,
Dos perigos enfrentados,
Das distâncias percorridas,
Dessa casa construída,
Que hoje lembranças abriga.
A PREGAÇÃO...
Blim, Blom! Blim, Blom!
É a missa de domingo.
É momento de oração.
Na pequena igrejinha
Que guarda o santo de devoção.
Dia de ganhar sonete¹.
A VENDA...
Ao lado da igreja,
A pequena venda,
Degraus de pedra,
Porta de duas abas.
No baleiro sobre o balcão
O fascínio de criança:
Doces coloridos
Enchiam meus domingos de emoção.
O LAVORO...
Mesmo menino,
Obrigações eu cumpria.
Cedo acordava
E forças juntava.
O dia era longo
O trabalho era duro:
Os gravetos para o fogo,
O cuidado com a uva,
A enxada na lavoura.
AS HISTÓRIAS...
Tempos de muita labuta.
Noites de mágicas histórias
Contadas pelas nonas
Que, dos filós²,
Vinham participar.
AS BRINCADEIRAS...
Entre um trabalho e outro
A corrida de traveta³.
O carrinho de lomba
E a escrossole*, então
Ah! Quantos tombos!
Quantos arranhões!
Mas para o meu consolo,
Os afagos de mamãe.
E depois, alegria, alegria
A bola corria
E a meninada sempre atrás,
Porque queria
Um belo gol marcar.
A ESCOLA...
Na escola, foram dois anos.
Aprendi a ler e fazer contas,
A registrar memória,
Conhecer um pouco de história,
Mas a vida, mesmo,
Foi minha escola.
VIDA DE MENINO...
Vida de mão calejada,
Infância de trabalho,
Mas de alegrias, canduras
E também de travessuras.
Uma infância de subir em árvore,
Pular muro de pedra.
No lugar de boné,
Chapéu de palha.
Mas o tempo passou
E em moço me transformei.
Apaixonei-me e casei,
Grandes coisas conquistei.
Fiz da nova terra
Meu chão,
E do trabalho
Uma paixão.
...
Nesse instante,
Um suspiro.
Uma lágrima
De orgulho
Da face do nono rola.
Só vento fala.
Tino desperta de súbito
Trazendo, nas mãos, o álbum.
Corre os olhos por toda parte
À procura do velho, sem sorte.
Percebe que
Sua presença ali
Foi um sonho.
E entende:
Era o seu nono, que a anos partiu
Deixando no coração
Um grande vazio.
...
O vento levou a chuva.
O sol já se despediu...
Tino parte no final do domingo.
No coração do menino,
Uma estranha sensação:
Mistura de orgulho e emoção
Por fazer parte de uma história
Vivida com tanta paixão.
¹Especie de bala no formato de travesseiro.
²Visita noturna.
³Arco de ferro conduzido por um pauzinho.
*Perna-de-pau.
Assinar:
Postagens (Atom)